Igreja e culto são
dois conceitos inseparáveis. Se traçarmos as orígens da palavra “igreja”,
veremos que a Igreja é a comunidade de pessoas que adoram a Deus, em contraste
com as que não adoram a Deus ou adoram falsos deuses. A Igreja é a comunidade
de pessoas que adoram a Deus em espírito e verdade ou adoram a Deus conforme
Palavra de Deus, em contraste com as que dizem que adoram a Deus, mas o fazem
de acordo com sua própria vontade e imaginação.
De acordo com o
livro de Gênesis, a igreja vetero-testamentária era uma comunidade familiar (a
princípio) e tribal (depois), onde os ofícios de governante, profeta e sacerdot
eram desempenhados pelo patriarca, e o culto era centrado no sacrifício de um
animal (frequentemente um novilho ou um cordeiro). A partir do estabelecimento
da nação de Israel, especialmente por propósitos revelacionais e didáticos, a
Igreja em Israel, passou a ter um culto complexo, rico de simbolismo e rígidamente
regulamentado. O culto tornou-se centrado no Tabernáculo (posteriormente no
Templo edificado em Jerusalém), nos sacerdotes e suas funções.
A Igreja
neo-testamentária, cujo crescimento e fortalecimento dependem de seu dever de evangelizar
o mundo, praticar o amor fraternal e promover a instrução de cada membro,
também cultua a Deus (Atos 2.42-47). É na Igreja da Nova Aliança (Igreja
neo-testamentária) que o culto atingiu a sua plenitude e maturidade, em toda a
história da Redenção, embora ainda não seja o culto perfeito, prestado agora no
céu, e futuramente em “Novos Céus e Nova Terra”. O culto neo-testamentário tem algo
da simplicidade do culto nas eras patriarcais e da riqueza da era de Israel,
entretanto, não é simbólico, é “em espírito e em verdade” (João 4.23-24). O
culto neo-testamentário pode ser definido em somente dois elementos: Palavra de
Deus e oração. O culto neo-testamentário é o diálogo entre Deus e o homem, na
forma plena e madura da Igreja que agora tem a revelação de Deus completa, na
vinda de Jesus Cristo. No culto da Igreja da Nova Aliança, Deus fala na leitura
e pregação das Escrituras Sagradas, e o homem responde em suas orações. Todos
os demais elementos do culto neo-testamentário, que praticamos sem o risco
introduzir “tradições de homens”, são ou estão intimamente relacionados com a
Palavra de Deus e a oração: o batismo e santa ceia, que são os únicos elementos
simbólicos (mas não meramente simbólicos), significam e lembram respectivamente
os poderes purificador e nutriente da Palavra de Deus, e são a nossa resposta à
Palavra de Deus, como a oração; os cânticos espirituais são proclamações da
Palavra de Deus, ou são orações dos crentes; as ofertas, como as orações, são
nossas respostas de gratidão diante da Palavra de Deus.
O culto
neo-testamentário é o mais real, íntimo e profundo exercício da comunhão com
Deus, que podemos desfrutar, antes de nossa ida para o céu, ou antes da volta
do Senhor Jesus Cristo. Como Deus habita com a sua Igreja como um todo (como em
um santo e grande templo na Terra) e em cada crente individualmente (também
como em um santo templo), estamos ou vivemos o tempo todo em comunhão ou
relacionamento com Deus, seja alegrando ou entristecento os Espírito de Deus (Efésios
4.30). Que aprendamos a viver em todo tempo com tal consciência, a fim de que não
entristeçamos o Espírito Santo (Efésios 4.25-5.2). E o culto, como o mais
íntimo e profundo exercício da comunhão com Deus, é o mais efetivo meio de nos
dar, manter, restaurar e fortalecer esta conciência de que estamos em
permanente relação com Deus.
As Escrituras
Sagradas nos prescrevem três modalidades deste culto em que exercitamos esta
mais íntima e profunda comunhão com Deus, através da Palavra de Deus e oração: o
culto individual, familiar e congregacional. Estas não são três modalidades
opcionais, como se pudessemos escolher uma ou duas opções somente, sem prejuízo
para o nosso relacionamento com Deus, como indvíduos, família e igreja. Devido
ao espírito altamente individualista de nossa era, entre muitos crentes hoje há
uma tendência de se considerar como mais importante o culto individual. Assim
como muitos, em suas próprias casas, também se isolam de seus familiares com os
seus computadores e telefones multifuncionais, há também quem sinta-se satifeito
isolado da Igreja, cultuando a Deus em isolamento, com os seus recursos de
multimídia.
Como é possível
considerar a Igreja uma instituição desnecessária, considerando seu significado
e as suas funções já mencionadas? Como poderíamos evangelizar o mundo sem a
Igreja? Como praticar o amor fraternal fora da Igreja? Como ser edificado e
contribuir na edificação da Igreja, fora da Igreja? Como é possível oferecer
continuamente as nossas vidas como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus
(Romanos 12.1), isolando-nos da Igreja, em que fomos batizados por um só
Espirito, isolados do corpo em que somos membros, cuja Cabeça é o próprio
Senhor e Salvador Jesus Cristo (Romanos 12; 1 Coríntios 12)?
E cultuar a Deus (a
principal característica da Igreja, e uma das funções vitais da Neo-testamentária
que mencionamos), é possível cultuar a Deus fora da igreja? Antes, apresentar
uma resposta a esta pergunta, consideremos um pouco mais extensamente sobre o
culto.
Além do que já foi
afirmado, que culto é o mais íntimo e profundo exercício da
comunhão com Deus; devemos reconhecer que o culto é a manutenção,
aprofundamento e o desenvolvimento de nossa comunhão e relacionamento com Deus.
O culto é a contemplação e admiração do ser de Deus, da beleza, da glória de
Deus; o culto é a reverente consideração a respeito do nome de Deus e nos
atributos de Deus; culto é relembrar com gratidão as obras de Deus. Culto,
portanto, é também prazer, o prazer do conhecimento de Deus, o prazer da
comunhão com Deus. Culto é tributo ou honra que a criatura deve ao seu Criador.
Culto é oferecimento, oferta, dedicação a Deus de parte do muito que Deus nos
tem dado, como símbolo que nós mesmos inteiramente pertencemos a Deus.
Enfim, culto é
atenção, foco em Deus, o único Criador do céu e da terra, e de tudo o que neles
há, o Soberano Senhor de toda a criação, Aquele que chama cada ser à existência
e se torna o seu grande mantenedor, o Juíz de todos os seres morais, e o único
Redentor dos pecadores.
Deus é digno do
culto de todas as suas criaturas, mas Ele mesmo não precisa do culto. Nós,
criaturas, sim, precisamos cultuar a Deus. Cultuar a Deus éa maior alegria, satisfação e realização que o
ser humano pode experimentar. Cultuar a Deus recupera e desenvolve em nós a
imagem e semelhança de Deus. Contudo, a nossa recusa em adorar a Deus faz com
que, apesar de nossa inteligência muito supeiror à dos animais, sejamos irracionais,
desafeiçoados e perigosos, mais que qualquer dos mais temíveis predadores da
terra (Romanos 1.18-32).
Foi de Deus a
primeira menção ao culto, no fim da semana da Criação, quando Deus abençoou e
santificou o sétimo dia (Gênesis 2.1-3). Após a libertação do cativeiro
Egípcio, ao dar ao seu povo Israel as duas tábuas da Lei, em Dez Mandamentos,
Deus reitera a ordenança relativa ao culto, no quarto mandamento (Êxodo 20.8-11).
Tanto na instituição original quanto na entrega dos Dez Mandamentos, a idéia de
culto como admiração do ser de Deus e das obras de Deus (Criação e Redenção) é
evidente. Consequentemente, também está presente nestas passagens da
instituição do Dia de Descanso, a idéia de prazer. Prazer, não tanto pelo
descanso do trabalho diário, mas pela contemplação do glorioso ser de Deus e
suas maravilhosas obras. Entretanto, há muitos, incluindo cristãos, que
preferem passar este Dia nos parques, shoppings, cinemas e estádios de futebol.
A idéia de culto
como relacionamento está presente também nos primeiros capítulos de Gênesis, no
próprio relato da Criação do homem, quando vemos Deus falando com o homem
(Gênesis), a respeito de importantes assuntos: a responsabilidade do homem
quanto a trabalhar na Criação e o seu privilégio de desfrutar da Criação (Gênesis 2.16), a absoluta necessidade de obedecer a
Deus para evitar a morte (Gênesis 2.17), e a singularidade do relacionamente
entre o homem e a sua esposa (Gênesis 2.21-25).
A idéia de culto
como um tributo ou honra a Deus, o Senhor e Provedor, também aparece no começo
do livro de Gênesis, quando Caim, o lavrador, e Abel, o pastor de ovelhas,
trouxeram a Deus ofertas do trabalho (Gênesis 4.1-7).
Entretanto, desde a
entrada do pecado na história do homem, o culto precisa ser o acompanhamento de
uma oferta de sangue, como se pode ver na própria diferenciação feita entre a
oferta de Caim e Abel. Conforme o livro de Gênesis, Abel foi o primeiro homem a
oferecer a Deus um sacrifício de sangue dentre os animais do seu rebanho;
partir de Abel, os patriarcas como Noé e Abraão também o fizeram; até que o
profeta Moisés instituiu os sacrifícios realizados no Tabernáculo por meio dos
sacerdotes, descendentes de Arão.
A oferta de sangue
não é um tributo ao Deus soberano Criador, mas uma penalidade exigida por Deus
como o Soberano Juiz. Assim como os tributos originados do trabalho ao Criador
simbolizavam a própria vida do ofertante consagrada a Deus; a oferta de sangue
simbolizava a expiação dos pecados dos ofertantes (Levítico (17.11), e
principalmente a oferta da vida (sangue) do vindouro Redentor, em favor, ou em lugar dos homens e mulheres, condenados
à morte por causa dos seus pecados (João 1.29; Herbreus 9.11-14). Isto porque,
a justiça de Deus ordena: “a alma que pecar, essa morrerá” (Ezequiel 18.4); “o
salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23). O Redentor é Jesus Cristo; e ele
já cumpriu na História, o que antes fora profetizado e tipificado. Por esta
razão, o antigo sacrifício de cordeiros foi substituido pelo memorial da santa
ceia, em que o pão simboliza o corpo de Jesus Cristo, o eterno Filho de Deus
encarnado para ser o nosso Redentor; e o vinho representa o sangue ou a morte de
Jesus Cristo em lugar dos seus redimidos (João 6.50-58).
Agora sim, voltemos
à pergunta: é possível cultuar a Deus fora (separado) da igreja? Consideremos o
significado do batismo; o batismo significa nossa regeneração (nascimento para
Deus). Ja vimos que pelo Espírito Santo fomos batizados nos corpo de Cristo – a
Igreja (1 Coríntios 12.13). Quando nascemos para Deus, nascemos em uma família
– a Igreja (Efésios 2.17-22). Consideremos a santa ceia; esta é uma refeição espiritual da
qual somente participam os que foram
“lavados de seus pecados no sangue” de Jesus Cristo, e o alimento é o
próprio Cristo. Esta é a refeição espiritual ou a comunhão dos discípulos de
Jesus Cristo, a verdadeira família de Deus. Não pode cultuar a Deus quem ainda
não nasceu para Deus, não foi introduzido na família de Deus, e não vive em
comunhão com a família de Deus.
Como pode cultuar a
Deus alguém que não compartilha da comunhão, das responsabilidades, serviços e das
necessidades (materiais ou espirituais) do crentes, os filhos de Deus que
constituem a Igreja ou as igrejas? O apóstolo Paulo, em sua carta à igreja em
Filipos, compara a culto (sacrifício cultual) ao que ele chama de “serviço da
vossa fé”, o serviço realizado pela
igreja (2.17); depois, o apóstolo compara o suporte que vinha recebendo da
igreja, para realizar o seu ministério, com um “sacrifício aceitável e
aprazível a Deus (4.18).
Como pode cultuar a
Deus alguém que abandona a sua congregação (Hebreus 10.25), que não cultua “com
os lábios” juntamente com a igreja (congregação), ou que não complementa o
culto oral com o culto prático, ambas atitudes comparadas a sacrifícios
cultuais (Hebreus 13.15-17)?
Como poderíamos
ignorar a grave exortação do Senhor Jesus Cristo: “Se, pois, ao trazeres ao
altar a tua oferta, ali te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa
perante o altar a tua oferta, vai primeiro e reconcilia-te com o teu irmão; e,
então, voltando, faze a tua oferta.” (Mateus 5.23-24). Quem abadonou a Igreja
feriu a muitos irmãos. Não pode cultuar a Deus quem desconhece o prazer da
comunhão dos filhos de Deus, e ignora o prazer de Deus na unidade de seus
filhos (Salmos 133).
Culto a Deus é algo
que fazemos perante o céus, diante da nações, e no meio da congregação ou
assembléia dos santos, os que foram separados para o louvor de Deus (Êxodo
19.5-6; 1 Pedro 2.9). Na leitura e pregação da Palavra de Deus desfrutamos do prazer
de conhecer e anunciar a Deus, de contemplar e proclamar as obras de Deus como
Criador, Soberano Senhor, Juíz e Redentor, diante da congregação, perante a
terra e os céus. Definitivamente, não cultua e nem sabe o que é cultuar a Deus
quem consegue reprimir no peito, fechar os ouvidos e calar a boca no meio da
congregação dos filhos de Deus e perante os povos, a proclamação das grandezas
de Deus, seu ser e suas obras.
O significado da
oração, cuja palavra original grega significa “adoração”? A
oração é definida no como no Breve Catecismo de Westminster, parcialmente, como
“o oferecimento de nossos desejos a Deus”. Como se vê nesta parcial definição,
oração é em essência uma atividade plural, uma ação congregacional. Esta é a
razão porque devemos envolver outros crentes em orações. Não é, absolutamente,
por causa do número de pessoas orando por um determinado assunto que Deus
atenderá ou não, a oração. A razão por que devemos envolver outras pessoas em
oração é o fato de que, como culto que é, a oração nunca é particular, mas
sempre congregacional.
Consideremos o
conteúdo do exemplo de oração dado por Jesus Cristo, em resposta aos discípulos
que pediram que lhes ensinasse a orar. O exemplo de oração dado por Jesus não é
nada particular, mas congregacional: “Pai nosso”... o pão nosso de cada dia
dá-nos hoje; perdoa-nos nossas dívidas, assim como temos perdoado aos nossos
devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal...” (Mateus
6.9-13).
É aceitável a Deus o
culto (particular ou familiar)de quem se isola da Igreja, em deliberada desobediência
a Deus? Não, pois obedecer a Palavra de Deus é melhor que sacrificar” (1 Samuel
15.22).
Igreja e culto,
sim, precisamos destas duas coisas inseparáveis. Em estrito senso, como temos
visto, não existe culto individual ou particular. O culto que fazemos no mais
profundo abismo, na solidão de uma prisão, na mais alta montanha, ou no quarto
fechado, não é na verdade um culto individual; não culto individual porque em
separado de Jesus Cristo não há culto; não somos recebidos à presença de Deus
sem a oferta do sangue de Jesus Cristo e de sua vida de perfeita justiça. Não
há culto particular porque Jesus Cristo não pode ser propriedade particular de
qualquer crente; mas todos e cada um dos verdadeiros crentes são inalienáveis
propriedades de Jesus Cristo, membros do seu Corpo. Jesus Cristo não se separa
de sua verdadeira Igreja; ela é a sua esposa de quem não pode se divorciar. Quanto
aos pecados da Igreja, Jesus Cristo deu o seu próprio sangue para lavá-la de
todo pecado.
O culto de quem não
ama a Igreja de Cristo, se isola da Igreja, e a despreza, não é culto, é uma
tola tentativa de comprar o favor de Deus com uma oferta cômoda e barata.
Porém, Deus não se engana, Ele conhece o coração de quem odeia ou despreza a
sua Igreja, a qual Ele ama com eterno amor, e pela qual, não poupou, mas deu o
único possível Redentor, o seu próprio, unigênito, eterno e amado Filho, Jesus
Cristo. Deus sabe que quem não ama a sua Igreja, também não o ama; se alguemnão
ama a noiva, não pode amar o noivo que ama a noiva com eterno e ilimitado amor.
Quem não ama a Igreja de Deus é meramente um velho homem, morto em seus
pecados.
Parabéns pelo post, muito esclarecedor. Poderia indicar uma bibliografia sobre o assunto?
ReplyDelete