Sola Scriptura, Sola Gratia, Sola Fide, Solus Christus, Soli Deo Gloria

Friday 18 October 2013

Igreja e Culto: Realmente Precisamos dessas Coisas?


Igreja e culto são dois conceitos inseparáveis. Se traçarmos as orígens da palavra “igreja”, veremos que a Igreja é a comunidade de pessoas que adoram a Deus, em contraste com as que não adoram a Deus ou adoram falsos deuses. A Igreja é a comunidade de pessoas que adoram a Deus em espírito e verdade ou adoram a Deus conforme Palavra de Deus, em contraste com as que dizem que adoram a Deus, mas o fazem de acordo com sua própria vontade e imaginação.

De acordo com o livro de Gênesis, a igreja vetero-testamentária era uma comunidade familiar (a princípio) e tribal (depois), onde os ofícios de governante, profeta e sacerdot eram desempenhados pelo patriarca, e o culto era centrado no sacrifício de um animal (frequentemente um novilho ou um cordeiro). A partir do estabelecimento da nação de Israel, especialmente por propósitos revelacionais e didáticos, a Igreja em Israel, passou a ter um culto complexo, rico de simbolismo e rígidamente regulamentado. O culto tornou-se centrado no Tabernáculo (posteriormente no Templo edificado em Jerusalém), nos sacerdotes e suas funções.

A Igreja neo-testamentária, cujo crescimento e fortalecimento dependem de seu dever de evangelizar o mundo, praticar o amor fraternal e promover a instrução de cada membro, também cultua a Deus (Atos 2.42-47). É na Igreja da Nova Aliança (Igreja neo-testamentária) que o culto atingiu a sua plenitude e maturidade, em toda a história da Redenção, embora ainda não seja o culto perfeito, prestado agora no céu, e futuramente em “Novos Céus e Nova Terra”. O culto neo-testamentário tem algo da simplicidade do culto nas eras patriarcais e da riqueza da era de Israel, entretanto, não é simbólico, é “em espírito e em verdade” (João 4.23-24). O culto neo-testamentário pode ser definido em somente dois elementos: Palavra de Deus e oração. O culto neo-testamentário é o diálogo entre Deus e o homem, na forma plena e madura da Igreja que agora tem a revelação de Deus completa, na vinda de Jesus Cristo. No culto da Igreja da Nova Aliança, Deus fala na leitura e pregação das Escrituras Sagradas, e o homem responde em suas orações. Todos os demais elementos do culto neo-testamentário, que praticamos sem o risco introduzir “tradições de homens”, são ou estão intimamente relacionados com a Palavra de Deus e a oração: o batismo e santa ceia, que são os únicos elementos simbólicos (mas não meramente simbólicos), significam e lembram respectivamente os poderes purificador e nutriente da Palavra de Deus, e são a nossa resposta à Palavra de Deus, como a oração; os cânticos espirituais são proclamações da Palavra de Deus, ou são orações dos crentes; as ofertas, como as orações, são nossas respostas de gratidão diante da Palavra de Deus.

O culto neo-testamentário é o mais real, íntimo e profundo exercício da comunhão com Deus, que podemos desfrutar, antes de nossa ida para o céu, ou antes da volta do Senhor Jesus Cristo. Como Deus habita com a sua Igreja como um todo (como em um santo e grande templo na Terra) e em cada crente individualmente (também como em um santo templo), estamos ou vivemos o tempo todo em comunhão ou relacionamento com Deus, seja alegrando ou entristecento os Espírito de Deus (Efésios 4.30). Que aprendamos a viver em todo tempo com tal consciência, a fim de que não entristeçamos o Espírito Santo (Efésios 4.25-5.2). E o culto, como o mais íntimo e profundo exercício da comunhão com Deus, é o mais efetivo meio de nos dar, manter, restaurar e fortalecer esta conciência de que estamos em permanente relação com Deus.

As Escrituras Sagradas nos prescrevem três modalidades deste culto em que exercitamos esta mais íntima e profunda comunhão com Deus, através da Palavra de Deus e oração: o culto individual, familiar e congregacional. Estas não são três modalidades opcionais, como se pudessemos escolher uma ou duas opções somente, sem prejuízo para o nosso relacionamento com Deus, como indvíduos, família e igreja. Devido ao espírito altamente individualista de nossa era, entre muitos crentes hoje há uma tendência de se considerar como mais importante o culto individual. Assim como muitos, em suas próprias casas, também se isolam de seus familiares com os seus computadores e telefones multifuncionais, há também quem sinta-se satifeito isolado da Igreja, cultuando a Deus em isolamento, com os seus recursos de multimídia.

Como é possível considerar a Igreja uma instituição desnecessária, considerando seu significado e as suas funções já mencionadas? Como poderíamos evangelizar o mundo sem a Igreja? Como praticar o amor fraternal fora da Igreja? Como ser edificado e contribuir na edificação da Igreja, fora da Igreja? Como é possível oferecer continuamente as nossas vidas como um sacrifício vivo, santo e agradável a Deus (Romanos 12.1), isolando-nos da Igreja, em que fomos batizados por um só Espirito, isolados do corpo em que somos membros, cuja Cabeça é o próprio Senhor e Salvador Jesus Cristo (Romanos 12; 1 Coríntios 12)?

E cultuar a Deus (a principal característica da Igreja, e uma das funções vitais da Neo-testamentária que mencionamos), é possível cultuar a Deus fora da igreja? Antes, apresentar uma resposta a esta pergunta, consideremos um pouco mais extensamente sobre o culto.

Além do que já foi afirmado, que  culto  é o mais íntimo e profundo exercício da comunhão com Deus; devemos reconhecer que o culto é a manutenção, aprofundamento e o desenvolvimento de nossa comunhão e relacionamento com Deus. O culto é a contemplação e admiração do ser de Deus, da beleza, da glória de Deus; o culto é a reverente consideração a respeito do nome de Deus e nos atributos de Deus; culto é relembrar com gratidão as obras de Deus. Culto, portanto, é também prazer, o prazer do conhecimento de Deus, o prazer da comunhão com Deus. Culto é tributo ou honra que a criatura deve ao seu Criador. Culto é oferecimento, oferta, dedicação a Deus de parte do muito que Deus nos tem dado, como símbolo que nós mesmos inteiramente pertencemos a Deus.

Enfim, culto é atenção, foco em Deus, o único Criador do céu e da terra, e de tudo o que neles há, o Soberano Senhor de toda a criação, Aquele que chama cada ser à existência e se torna o seu grande mantenedor, o Juíz de todos os seres morais, e o único Redentor dos pecadores.

Deus é digno do culto de todas as suas criaturas, mas Ele mesmo não precisa do culto. Nós, criaturas, sim, precisamos cultuar a Deus. Cultuar a Deus éa  maior alegria, satisfação e realização que o ser humano pode experimentar. Cultuar a Deus recupera e desenvolve em nós a imagem e semelhança de Deus. Contudo, a nossa recusa em adorar a Deus faz com que, apesar de nossa inteligência muito supeiror à dos animais, sejamos irracionais, desafeiçoados e perigosos, mais que qualquer dos mais temíveis predadores da terra (Romanos 1.18-32).

Foi de Deus a primeira menção ao culto, no fim da semana da Criação, quando Deus abençoou e santificou o sétimo dia (Gênesis 2.1-3). Após a libertação do cativeiro Egípcio, ao dar ao seu povo Israel as duas tábuas da Lei, em Dez Mandamentos, Deus reitera a ordenança relativa ao culto, no quarto mandamento (Êxodo 20.8-11). Tanto na instituição original quanto na entrega dos Dez Mandamentos, a idéia de culto como admiração do ser de Deus e das obras de Deus (Criação e Redenção) é evidente. Consequentemente, também está presente nestas passagens da instituição do Dia de Descanso, a idéia de prazer. Prazer, não tanto pelo descanso do trabalho diário, mas pela contemplação do glorioso ser de Deus e suas maravilhosas obras. Entretanto, há muitos, incluindo cristãos, que preferem passar este Dia nos parques, shoppings, cinemas e estádios de futebol.

A idéia de culto como relacionamento está presente também nos primeiros capítulos de Gênesis, no próprio relato da Criação do homem, quando vemos Deus falando com o homem (Gênesis), a respeito de importantes assuntos: a responsabilidade do homem quanto a trabalhar na Criação e o seu privilégio de desfrutar da Criação (Gênesis  2.16), a absoluta necessidade de obedecer a Deus para evitar a morte (Gênesis 2.17), e a singularidade do relacionamente entre o homem e a sua esposa (Gênesis 2.21-25).

A idéia de culto como um tributo ou honra a Deus, o Senhor e Provedor, também aparece no começo do livro de Gênesis, quando Caim, o lavrador, e Abel, o pastor de ovelhas, trouxeram a Deus ofertas do trabalho (Gênesis 4.1-7).

Entretanto, desde a entrada do pecado na história do homem, o culto precisa ser o acompanhamento de uma oferta de sangue, como se pode ver na própria diferenciação feita entre a oferta de Caim e Abel. Conforme o livro de Gênesis, Abel foi o primeiro homem a oferecer a Deus um sacrifício de sangue dentre os animais do seu rebanho; partir de Abel, os patriarcas como Noé e Abraão também o fizeram; até que o profeta Moisés instituiu os sacrifícios realizados no Tabernáculo por meio dos sacerdotes, descendentes de Arão.

A oferta de sangue não é um tributo ao Deus soberano Criador, mas uma penalidade exigida por Deus como o Soberano Juiz. Assim como os tributos originados do trabalho ao Criador simbolizavam a própria vida do ofertante consagrada a Deus; a oferta de sangue simbolizava a expiação dos pecados dos ofertantes (Levítico (17.11), e principalmente a oferta da vida (sangue) do vindouro Redentor, em favor,  ou em lugar dos homens e mulheres, condenados à morte por causa dos seus pecados (João 1.29; Herbreus 9.11-14). Isto porque, a justiça de Deus ordena: “a alma que pecar, essa morrerá” (Ezequiel 18.4); “o salário do pecado é a morte” (Romanos 6.23). O Redentor é Jesus Cristo; e ele já cumpriu na História, o que antes fora profetizado e tipificado. Por esta razão, o antigo sacrifício de cordeiros foi substituido pelo memorial da santa ceia, em que o pão simboliza o corpo de Jesus Cristo, o eterno Filho de Deus encarnado para ser o nosso Redentor; e o vinho representa o sangue ou a morte de Jesus Cristo em lugar dos seus redimidos (João 6.50-58).

Agora sim, voltemos à pergunta: é possível cultuar a Deus fora (separado) da igreja? Consideremos o significado do batismo; o batismo significa nossa regeneração (nascimento para Deus). Ja vimos que pelo Espírito Santo fomos batizados nos corpo de Cristo – a Igreja (1 Coríntios 12.13). Quando nascemos para Deus, nascemos em uma família – a Igreja (Efésios 2.17-22). Consideremos a  santa ceia; esta é uma refeição espiritual da qual somente participam os que foram  “lavados de seus pecados no sangue” de Jesus Cristo, e o alimento é o próprio Cristo. Esta é a refeição espiritual ou a comunhão dos discípulos de Jesus Cristo, a verdadeira família de Deus. Não pode cultuar a Deus quem ainda não nasceu para Deus, não foi introduzido na família de Deus, e não vive em comunhão com a família de Deus.

Como pode cultuar a Deus alguém que não compartilha da comunhão, das responsabilidades, serviços e das necessidades (materiais ou espirituais) do crentes, os filhos de Deus que constituem a Igreja ou as igrejas? O apóstolo Paulo, em sua carta à igreja em Filipos, compara a culto (sacrifício cultual) ao que ele chama de “serviço da vossa  fé”, o serviço realizado pela igreja (2.17); depois, o apóstolo compara o suporte que vinha recebendo da igreja, para realizar o seu ministério, com um “sacrifício aceitável e aprazível a Deus (4.18).

Como pode cultuar a Deus alguém que abandona a sua congregação (Hebreus 10.25), que não cultua “com os lábios” juntamente com a igreja (congregação), ou que não complementa o culto oral com o culto prático, ambas atitudes comparadas a sacrifícios cultuais (Hebreus 13.15-17)?

Como poderíamos ignorar a grave exortação do Senhor Jesus Cristo: “Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro e reconcilia-te com o teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta.” (Mateus 5.23-24). Quem abadonou a Igreja feriu a muitos irmãos. Não pode cultuar a Deus quem desconhece o prazer da comunhão dos filhos de Deus, e ignora o prazer de Deus na unidade de seus filhos (Salmos 133).

Culto a Deus é algo que fazemos perante o céus, diante da nações, e no meio da congregação ou assembléia dos santos, os que foram separados para o louvor de Deus (Êxodo 19.5-6; 1 Pedro 2.9). Na leitura e pregação da Palavra de Deus desfrutamos do prazer de conhecer e anunciar a Deus, de contemplar e proclamar as obras de Deus como Criador, Soberano Senhor, Juíz e Redentor, diante da congregação, perante a terra e os céus. Definitivamente, não cultua e nem sabe o que é cultuar a Deus quem consegue reprimir no peito, fechar os ouvidos e calar a boca no meio da congregação dos filhos de Deus e perante os povos, a proclamação das grandezas de Deus, seu ser e suas obras.

O significado da oração, cuja palavra original grega significa “adoração”? A oração é definida no como no Breve Catecismo de Westminster, parcialmente, como “o oferecimento de nossos desejos a Deus”. Como se vê nesta parcial definição, oração é em essência uma atividade plural, uma ação congregacional. Esta é a razão porque devemos envolver outros crentes em orações. Não é, absolutamente, por causa do número de pessoas orando por um determinado assunto que Deus atenderá ou não, a oração. A razão por que devemos envolver outras pessoas em oração é o fato de que, como culto que é, a oração nunca é particular, mas sempre congregacional.

Consideremos o conteúdo do exemplo de oração dado por Jesus Cristo, em resposta aos discípulos que pediram que lhes ensinasse a orar. O exemplo de oração dado por Jesus não é nada particular, mas congregacional: “Pai nosso”... o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; perdoa-nos nossas dívidas, assim como temos perdoado aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal...” (Mateus 6.9-13).

É aceitável a Deus o culto (particular ou familiar)de quem se isola da Igreja, em deliberada desobediência a Deus? Não, pois obedecer a Palavra de Deus é melhor que sacrificar” (1 Samuel 15.22).

Igreja e culto, sim, precisamos destas duas coisas inseparáveis. Em estrito senso, como temos visto, não existe culto individual ou particular. O culto que fazemos no mais profundo abismo, na solidão de uma prisão, na mais alta montanha, ou no quarto fechado, não é na verdade um culto individual; não culto individual porque em separado de Jesus Cristo não há culto; não somos recebidos à presença de Deus sem a oferta do sangue de Jesus Cristo e de sua vida de perfeita justiça. Não há culto particular porque Jesus Cristo não pode ser propriedade particular de qualquer crente; mas todos e cada um dos verdadeiros crentes são inalienáveis propriedades de Jesus Cristo, membros do seu Corpo. Jesus Cristo não se separa de sua verdadeira Igreja; ela é a sua esposa de quem não pode se divorciar. Quanto aos pecados da Igreja, Jesus Cristo deu o seu próprio sangue para lavá-la de todo pecado.

O culto de quem não ama a Igreja de Cristo, se isola da Igreja, e a despreza, não é culto, é uma tola tentativa de comprar o favor de Deus com uma oferta cômoda e barata. Porém, Deus não se engana, Ele conhece o coração de quem odeia ou despreza a sua Igreja, a qual Ele ama com eterno amor, e pela qual, não poupou, mas deu o único possível Redentor, o seu próprio, unigênito, eterno e amado Filho, Jesus Cristo. Deus sabe que quem não ama a sua Igreja, também não o ama; se alguemnão ama a noiva, não pode amar o noivo que ama a noiva com eterno e ilimitado amor. Quem não ama a Igreja de Deus é meramente um velho homem, morto em seus pecados.

 

1 comment:

  1. Parabéns pelo post, muito esclarecedor. Poderia indicar uma bibliografia sobre o assunto?

    ReplyDelete