Damos muito pouca atenção ao fato de que a obra da
Redenção começou muito tempo antes do nascimento do Redentor prometido, Jesus
Cristo, e muito tempo antes do surgimento da nação de Israel.
Pouco consideramos sobre o fato de que a Igreja, a
comunhão dos pecadores que foram redimidos, reconciliados com Deus, e com o
próximo, já está presente na Terra muito antes do dia de Pentecostes, quando
cumpriu-se a promessa do derramamento do Espírito Santo, e foi finalizada a
transição da Igreja na Antiga Aliança para a Nova Aliança.
A Igreja já está presente na Terra muito antes de Deus
chamar e fazer promessas a Abraão e sua descendência, antes de enviar Moisés e
libertar a nação de Israel do cativeiro egípcio, levando-a à “terra prometida”.
Na verdade, a Igreja já existe na Terra desde que Deus
iniciou a obra da Redenção, isto é, logo após o primeiro homem e suas gerações
serem totalmente corrompidos pelo pecado. Desde Adão e seus primeiros
descendentes, os benefícios da morte e ressurreição de Jesus Cristo, o
Redentor, já eram desfrutados por pecadores que, arrependidos, criam e
antendiam o chamado de Deus à reconciliação, o Evangelho já anunciado em sua
forma mais primitiva (Gênesis 3.15; Gálatas 3.8).
Embora a presença, tamanho e influência da Igreja
sejam seja extremamente variáveis na história, ela sempre esteve presente, onde
quer que “dois ou três estivessem reunidos” (Mateus 18.15-20), em convicção e
arrependimento de pecados, e fé em Deus como Criador e Redentor.
A cidade de Jerusalém é uma notável evidência desta
remotíssima realidade e presença da Igreja, precedendo à Igreja de Israel
(pertencente à Antiga Aliança) e, consequentemente, a Igreja universal da Nova
Aliança. Antes da chegada de Abraão à terra de Canaã, portanto, antes do
nascimento da nação de Israel, a cidade de Jerusalém já existia, e tinha como
rei e sacerdote aquele que foi o maior tipo sacerdotal de Jesus Cristo,
Melquisedeque, nome que significa “rei de justiça”. Naquele tempo o nome da
cidade era simplesmente Salém, que significa
“paz”.
Jerusalém, que significa “cidade da paz”, embora seja
um lugar ou cidade histórica, presente até os nossos dias, é também o mais
significativo símbolo da Igreja. Jerusalém é idealmente a cidade dos que foram
reconciliados com Deus, a cidade onde Deus habita, em comunhão com aqueles a
quem Ele perdoou, reconciliou e aproximou de si, e a esses todos, também
reconciliou e aproximou, uns dos outros.
Jerusalém é o símbolo do Reino de Deus, não no âmbito
daqueles sobre os quais Deus reina com mão (ou cetro) de ferro, mas em paz,
comunhão e ordenando sua benção (Salmos 133), onde Jesus Cristo é o Sacerdote e
Rei tipificado em Melquisedeque.
Jerusalém é símbolo de todo lugar em que em algum
tempo houve, há ou ainda haverá um povo em comunhão com Deus, por menor ou
maior que seja o número dos que formam esta comunhão. Jerusalém, a cidade da
paz, ou seja, a Igreja, sempre existiu (desde o começo da obra da Redenção),
jamais deixou de existir (embora algumas vezes tenha se tornado tão pequena, ao
ponto de parecer completamente extinta), e jamais deixará de existir.
Um dos grandes assuntos do livro de Apocalipse, com o
qual o livro aproxima-se de sua conclusão é o Novo Céu e Nova Terra, uma
radical transformação do universo, da Criação, quase uma recriação (Apocalipse
21.1-22.5). Novo Céu e Nova Terra é o novo ambiente universal do Reino de Deus,
e seu centro ou capital, “a cidade santa”, chama-se a “Nova Jerusalém”
(Apocalipse 21.1-2). Uma cidade não é constituída apenas de suas casas, ruas e
praças; ela é principalmente o centro de uma região onde habitam pessoas; a
Nova Jerusalém é o centro da Terra recriada, onde Deus habitará eternamente com
os homens (Apocalipse 21.3), onde o pecado e todas as suas consequências terão
sido completamente eliminados (Apocalipse 21.4).
Além da Jerusalém histórica, e geograficamente
localizada, desde os tempos de Melquisedeque e dos dias de Davi (ambos também
tipos reais de Jesus Cristo), além da comunhão, congregação ou Igreja
(tipificada na cidade de Jerusalém) sempre presente na Terra em diversos
lugares, desde o início da obra da Redenção, as Escrituras Sagradas nos revelam
que paralelamente à visível, embora instável Jerusalém na Terra (e
especialmente a Igreja que ela tipifica, igualmente visível e instável), existe
uma Jerusalém no Céu, inabalável, e que somente cresce, enquanto na Terra o
tempo passa, e a Igreja sofre variações. A Jerusalém celestial é constituída e
cresce à proporção em que morrem os habitantes da Jerusalém terrenal, isto é,
os remidos no sangue do Cordeiro; esta porção da Igreja, agora invisível,
descerá do Céu, para habitar o Novo Céu e Nova Terra (Apocalipse 7.9-17; 21.2)
Desde que o pecado entrou e passou fazer parte da
natureza humana, Deus, o Criador, por sua essência justa e santa, não pode mais
relacionar-se com a humanidade em geral. Depois que o homem tornou-se um
pecador, Deus já não anda (vive ou habita) com os homens. Ele não tem prazer na
comunhão com pecadores (Isaías 59.2).
Entretanto, desde que o homem tornou-se pecador, Deus
também tem redimido pecadores, e com eles estabelecido uma inquebrável
comunhão. Com estes, Deus anda ou vive na “cidade da paz”, a comunhão dos seus
remidos (Isaías 57.15), onde quer que ela tenha sido estabelecida na Terra.
A antiga Salém não conservou o status dos tempos de
Melquisedeque, nem a Jerusalém de Davi e Salomão; esta e os reinos dos quais
fora capital (Israel e Judá) se corromperam. Jerusalém perdeu e recuperou
algumas vezes seu status de cidade símbolo da justiça e paz. O mesmo tem
acontecido na história da Igreja da Nova Aliança, após o grande momento de sua
inauguração no dia de Pentecostes (que sucedeu a morte, ressurreição e ascensão
de Jesus Cristo), a Igreja tem experimentado alto e baixos, reformas,
avivamentos e até apostasia. Através da história, mediante a fiel pregação da
Palavra de Deus, em diversos lugares, igrejas tem sido estabelecidas, e
crescido; porém, sujeitas às tentações diversas, igrejas se enfraquecem, e
podem até morrer.
Embora a Jerusalém da Terra (Igreja ou igrejas como
instituições visíveis, mensuráveis), como já antecipado, seja instável; ela,
como o lugar da habitação de Deus com os homens, é amada por Deus. O Antigo
Testamento está repleto de demonstrações e declarações do amor de Deus por
Jerusalém, e dos reinos dos quais fora capital: Israel e Judá (Isaías 43.1-4). Israel e Judá, como objetos do amor
de Deus, representam somente uma pequena porção da Igreja de “todos os tempos e
lugares”, a multidão inumerável “de todas nações, tribos, povos e línguas”
(Apocalipse 7.9).
A preservação e prosperidade de Jerusalém (Igreja) na
Terra, como “cidade” de justiça e paz, dependem da Palavra de Deus, que ela
seja pregada, ouvida e posta em prática. É através da pregação da Palavra de
Deus que a “cidade da paz” (a Igreja) recebe novos habitantes (homens e
mulheres regenerados e justificados pela fé); é através da Palavra de Deus que
os nascidos na cidade são regenerados e justificados pela fé (1 Pedro 1.23); e,
assim todos são santificados, nutridos, e mantidos espiritualmente saudáveis e
frutíferos (João 15.1-10).
Quando a Palavra de Deus deixa de ser pregada, ouvida,
ou obedecida, a “cidade da paz” começa a ser perturbada. Seus habitantes
começam a viver como se não fossem redimidos, como se Deus não habitasse no
meio deles. Entre os seus habitantes, multiplica-se o número dos filhos que não
são redimidos, e, de fora, também são recebidos habitantes não redimidos.
Enfim, os habitantes de Jerusalém passam a viver como os habitantes de Sodoma,
ou de Babilônia, cidades que se tornaram símbolos de confusão, imoralidade,
injustiça, mentira, extorsão e violência, tudo que se opõe ao conceito de
Jerusalém, “a cidade da paz” (Apocalipse 11.8; 14.8).
Isso tudo aconteceu com a Jerusalém, capital de Israel
e Judá. Havendo subestimado a Palavra de
Deus, estando a cidade e seu reino em avançada apostasia, e dominados por
falsos profetas e mestres, que exerciam seus ofícios por lucro (Jeremias
613-14; Ezequiel 34.1-4), por isso, “mercadejavam a Palavra de Deus” (2
Coríntios 2.15-17), mesmo assim, Deus enviou profetas, como Jeremias e
Ezequiel.
Estes profetas foram enviados para chamar Jerusalém ao
arrependimento. Entretanto, rejeitando definitivamente a Palavra de Deus,
embora tenha sido extremamente doloroso para Deus, que ama Jerusalém; por fim,
a “cidade da paz” recebeu o mesmo tratamento ou juízo de qualquer cidade ímpia
(Lamentações 4.6,11).
Não podemos ignorar a profunda relação entre Jerusalém
e a Igreja. Os fatos marcantes da história de Jerusalém ficaram registrados nas
Escrituras Sagradas para instrução e advertência da Igreja, para que sejam
evitados os erros e sofrimentos de Jerusalém (Israel e Judá).
A Igreja (ou as igrejas) da Nova Aliança não serão
tratadas de modo diferente de Jerusalém. Deus ama a sua Igreja, e não admite
seu flerte e sedução pelo pecado, ou qualquer forma de idolatria. As cartas “às
igrejas que se encontram na Ásia” (Apocalipse 1.4) confirmam que:
§ O
Senhor poderá remover “o candeeiro” da igreja que abandonar o seu “primeiro
amor” (Apocalipse 2.1-7);
§ Contra
os membros da igreja que se envolvem com doutrinas que permitem ou promovem
idolatria e prostituicão, o Senhor pelejará com a “espada” de sua “boca”
(Apocalipse 2.12-17), podendo agravar este juízo também com enfermidades,
tribulações e morte (Apocalipse 2.18-29);
§ Contra
a igreja morta, certamente pelo predomínio do pecado, mesmo que tenha aparência
de viva, o Senhor poderá executar um juízo repentino e definitivo (Apocalipse
3.1-5);
§ Contra
a igreja que pensa ser rica, abastada e auto-suficiente, mas é infeliz,
miserável, pobre, cega e nua, o Senhor chama ao auto-exame, ao arrependimento e
à comunhão consigo; pois ele a disciplina; porque a ama (Apocalipse 3.14-22).
Os juízos contra Jerusalém (Israel e Judá) somente
foram finalmente executados porque a cidade desprezou a Palavra de Deus e não
se arrependeu. Igualmente, os juízos contra a Igreja, ou igrejas, somente são
executados caso não haja arrependimento, caso não ouçam o que “o que o Espírito
diz às igrejas” (Apocalipse 2.5-7,11,16-7,29; 3.6,13,22); pois sempre que há
verdadeiro arrependimento, segue-se reforma e avivamento.
Eventuais juízos de Deus contra sua amada Igreja
jamais ameaçam a sobrevivência da Igreja, ao contrário, a garantem. Quando
parte da Igreja subestima o ministério da Palavra de Deus, que envolve e requer
a fiel pregação, a cuidadosa admissão à santa ceia e a disciplina de seus
membros, Deus o faz diretamente, chamando e enviando fiéis pregadores, que em
tal contexto são minoria; se estes não são ouvidos, então Deus começa a
executar diretamente seus juízos.
Os juízos ou disciplina de Deus, quer venham pela
repreensão mediante a fiel pregação da Palavra, quer venham por outra ação da
própria Igreja, quer pela direta ação de Deus, sempre visam o arrependimento de
todos, se não, a preservação de um resto fiel (Apocalipse 2.24-29; 3.4-6). Como
a videira quando é podada, a Igreja, quando é limpada pela Palavra, mantém-se
ou torna-se saudável, e frutifica (João 17.1-3).
Ao anunciar juízo sobre o reino de Jerusalém, Deus
prometeu preservar um resto fiel, o “toco”, como de uma grande árvore
derrubada, e fazer deste uma “santa semente”, para o renascimento da cidade e
seu reino (Isaías 6.8-13). Da mesma forma, sempre, em qualquer tempo ou lugar,
como prometido, e também já testemunhado pela história, se o Senhor vier em
juízo contra parte de sua Igreja, por maior que seja esta, sempre deixará, no
mínimo um “toco”, uma “santa semente”, que novamente crescerá e frutificará,
para a glória de Deus, o todo-poderoso Redentor.
E, ainda que a Igreja na Terra seja relativamente
pequena, quanto o Senhor Jesus Cristo voltar em glória, esta Jerusalém terrena
se encontrará com a Jerusalém celeste; e, como uma multidão inumerável reinará
eternamente em “Novo Céu e Nova Terra”, sob “o trono de Deus e do Cordeiro”
(Apocalipse 22.1-5). Aleluia!