A vida cristã é
vivida pela fé, e não pelo que se vê; e a fé vem, não pelo que se vê, mas pelo
ouvir a palavra de Deus (Romanos 10.17). Estamos nos referindo à fé que salva o
pecador da ignorância e separação de Deus, assim como de todas as misérias
decorrentes de tal ignorância e separação.
Não podemos ver a
Deus, somente podemos ver a glória do seu poder na sua obra da Criação, e conhecer
a glória do seu amor na sua obra da Redenção. Porém, sem ouvir a palavra de
Deus, absolutamente nada podemos conhecer de sua obra redentiva; e até negamos
a glória de Deus como o Criador, atribuindo ao puro acaso a indescritível
magnitude da natureza e do universo.
Não podemos ver a
Deus; mas podemos ouvir a sua voz. Como cantamos em um hino: “nem Adão chegou a
vê-lo, antes mesmo de pecar”; porém, a voz de Deus, Adão ouviu; e até o mais
odioso pecador também a pode ouvir. A palavra de Deus não tem como objetivo nos
desvendar os mistérios da Criação, mas de fato nos livra da cegueira e
irracionalidade que ignora Deus como o Criador. O objetivo da palavra de Deus é
desvendar ou revelar os mistérios da redenção, ou seja, os mistérios da
reconciliação do homem pecador com o Deus santo, os mistérios da nossa passagem
da morte para a vida, das trevas para a luz.
O apóstolo Pedro
chama a palavra de Deus de a “palavra profética”; pois ela foi comunicada por
“homens separados (que) falaram da parte de Deus, movidos pelo Espírito Santo”.
Esta palavra de Deus, Pedro também chama, no mesmo contexto: a “Escritura” (2 Pedro
1.19-21). Como já afirmamos, o objetivo da palavra de Deus é revelar os
mistérios da redenção; portanto, o centro ou objetivo principal da Escritura (a
Palavra de Deus) é nos dar o conhecimento do nosso glorioso Redentor, Jesus
Cristo (2 Pedro 1.16-18).
Portanto, a nossa
vida cristã, isto é, a nossa frutuosa vida de comunhão e relacionamento com
Deus, em Cristo Jesus, começa e é mantida pelo ouvir a Palavra de Deus (João
15.1-8).
Falando através de
Moisés, Deus proibiu israel de fazer qualquer imagem sua para o culto,
lembrando ao povo que este não viu nenhuma aparência de Deus no Monte Sinai,
embora tenha ouvido alí a palavra de Deus (Deuteronômio 4.15-19).
Deus “caminhava”
com Israel no deserto, mas não era visto (Êxodo 33.12-16). Deus habitou com
Israel e era o invisível Onipotente Rei de Israel, antes que houvesse monarquia
em Israel (1 Samuel 12.12). Jesus Cristo é o Rei Eterno, embora não tenha vindo
com aparência de rei (Mateus 21.4-5); e Ele reina, embora o seu reinado ainda
não tenha a aparência ou visibilidade que terá em “Novos Ceus e Nova Terra”
(Lucas 17.20).
O Espírito Santo
foi derramado em grande plenitude sobre a Igreja da Nova Aliança no dia de
Pentecostes; não podemos ver o Espirito Santo, sentir o seu cheiro, nem
tocá-lo. Contudo, Ele habita na Igreja e fala a ela, quando as Suas Escrituras
(escritas e inspiradas pelo próprio Espírito Santo) são lidas e fielmente
explicadas.
Exceto pelo Batismo
e Santa Ceia, quando administrados, o verdadeiro culto a Deus dispensa todo e
qualquer aparato visual (templos, vestes especiais, imagens, encenações,
gravuras e símbolos), porém jamais prescinde ou renuncia a Palavra de Deus,
cujo centro é Jesus Cristo.
Servimos e
perseveramos em servir a Deus pela fé, isto é, ouvindo e obedecendo a palavra
de Deus, e não de acordo com os resultados imediatos que possamos obter ou ver.
O homem quer ver
para crer; porém, em se tratando do relacionamento do homem com Deus isto é
ofensivo; porque Deus, a única realidade eterna e absoluta, não pode ser visto.
O simples fato de existirmos, e havermos
sido criados à imagem e semelhança de Deus, deveria ser suficiente para reconhecermos
existência e soberania de Deus.
Entretanto, mesmo os
crentes demandam ver para crer, ver quantidade, institucionalidade e
celebridade. Muitos dos que se dizem crentes são convencidos pela “quantidade” de
seguidores, mesmo quando esta é resultado ou está associada ao desprezo da
Palavra de Deus; para estes, a quantidade significa bênção e aprovação de Deus.
Outros crentes subordinam sua fé à aprovação social ou à institucionalização
estatal; para estes, a aceitação, aclamação e aprovação social ou legal
equivalem à expressão da vontade de Deus. Para outros que também se identificam
como crentes a “voz de Deus” é a voz das celebridades (seculares ou religiosas),
e não as Escrituras Sagradas.
Deus quer atingir o
nosso pensamento, lógica e razão. A Palavra de Deus (lida, pregada, e na forma
dos dois sacramentos) passa por nossos sentidos,
mas o seu alvo é o nosso pensamento, lógica e razão. É em nosso pensamento,
lógica e razão que a Palavra de Deus se aloja, habita e frutifica na fé
salvadora. O conhecimento supremo do homem é o conhecimento de Deus; o mais
nobre exercício do pensamento, da lógica e da razão é o conhecimento dos
propósitos de Deus.
A superstição ou
crendice convence imediatamente os que valorizam e se contentam com a percepção
dos sentidos, especialmente o “ver, para crer”. A fé salvadora prefere a
audição, isto é, “o ouvir a Palavra de Deus” como meio, para alcançar e
frutificar em nosso pensamento, lógica e razão
(Hebreus 4.12).
Portanto, a Palavra
de Deus exercita e fortalece nosso nosso pensamento, lógica e razão,
recuperando e aperfeiçoando, em nós, a imagem e semelhança de Deus, libertando-nos
de uma compreensão limitada pelos sentidos. É especialmente no uso do
pensamento, lógica e razão que mais radicalmente nos distanciamos dos animais e
somos semelhantes a Deus.
A fé, uma vez
gerada pela Palavra de Deus, nos intruduz no relacionamento com Deus. Esta
mesma fé, alimentada pela Palavra de Deus, nos mantém neste relacionamento, e
impede que dele nos afastemos. Deus não é matéria, mas Espírito; a encarnação
do Eterno Filho de Deus (João 1.1-14), não muda a essência do ser divino que é
espiritual. Portanto, não podemos perceber a presença do Deus Invisível (1
Timóteo 1.17) pelos sentidos, mas pelo pensamento, lógica e razão; e, para
isto, ainda precisamos da Palavra de Deus que tem o poder de gerar e nutrir a
fé salvadora.
A fé é oposta à
incredulidade, mas também nada tem a haver com a superstição ou credulidade; a
fé está relacionada ao pensamento, lógica e razão. Porém, por si mesmos, o
pensamento, a lógica e a razão não têm o poder de gerar a fé; a Palavra de Deus
tem este poder (1 Pedro 1.23). Portanto, a fé em Cristo, à qual a pregação do
Evangelho (Palavra de Deus) nos chama não é oposta à razão, mas se dirige à
razão (1 Pedro 3.15)
Os verdadeiros
crentes (os que nunca se apostatarão) são gerados pela semente da Palavra de
Deus, sob o poder vivificante do Espírito Santo. Estes são habilitados a, no
pleno exercício do pensamento, lógica e razão, “ver o (Deus) invisível” (Hebreus
11.27).
Não temos menor vantagem
ou privilégio em relação aos contemporâneos de Jesus Cristo que o viram.
Ninguém pode ser salvo por simplesmente ver a Jesus Cristo. Ao contrário, ver a
Jesus Cristo encarnado, antes de sua glorificação era decepicionante: O profeta
Isaías o descreve com a aparência de “uma raiz de uma terra seca; (que) não
tinha aparência nem formosura; olhamo-lo, mas nehnuma beleza havia que nos
agradace” (Isaías 53.1). Desde o seu nascimento (Lucas 2.7) até a sua, já
mencionada, entrada em Jerusalém (Mateus 21.4-5), Jesus Cristo não tinha
aparência de um rei. Depois, Jesus foi publicamente crucificado; e naquele
exato momento alguém queria ver Jesus descer da cruz, e, escarnecendo, disse:
“É rei de Israel! Desça da cruz, e creremos nele.” (Mateus 27.42).
Jesus não desceu da
cruz, mas alí morreu; porque “precisamente com este propósito” ele viera (João
12.27). “Cristo morreu pelos nossos pecados” (1 Coríntios 15.3). Entretanto, ao
terceiro dia Ele ressuscitou, e foi visto por muitos (Coríntios 15.4-8), como a
final evidência de que Ele é o Salvador, anunciado pela Palavra de Deus.
Entretanto, até o
ver a Jesus Cristo ressurreto, é insuficiente para salvar o pecador. Jesus, em
seu diálogo com Tomé, referiu-se à inutilidade da fé que é mera e imediata
resposta ao que se vê, dizendo: “Porque me viste creste, creste?
Bem-aventurados os que não viram e creram” (João 20.29). Isto está em pleno
acordo com o que Jesus já houvera dito antes: “quem ouve a minha palavra e crê
naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da
morte para a vida.” (João 5.24).
Somos salvos por
ouvir a Palavra de Deus (a qual é sobre sobre Jesus Cristo) quando ela está
operando no campo de nosso pensamento, lógica e razão, sob a ação do Espírito
Santo (João 16.7-14), e assim, gera em nós a fé salvadora.
A fé salvadora é
gerada e alimentada somente pela Palavra de Deus e não por qualquer visão das
obras de Deus. Todas as obras de Deus (Criação, providência ordinária e
milagres) têm seus próprios méritos e são dignas de todo nosso louvor; porém
elas não podem, nem são destinadas a gerar e nutrir a fé. A fé que nos salva é
um gracioso dom de Deus, gerado e nutrido pela Palavra de Deus, cujo mensagem
central é Jesus Cristo, como o nosso Redentor.
Crer que Deus é o
Criador, que Ele nos dá o pão de cada dia e que Ele faz milagres, não é a fé salvadora.
A fé salvadora conhece e confessa a Jesus Cristo como o único e completo
Salvador, o Eterno Filho de Deus, o único doador da vida eterna aos homens, que
se encarnou para oferecer o seu sangue como a propiciação pelos nossos pecados
(João 3.16).
Nossa fé em Jesus
Cristo não se fundamenta no que vemos, nem se abala em consequência do que não
podemos ver. Nossa fé em Jesus Cristo independe de vermos ou não vermos
milagres hoje, de sermos pessoalmente ricos e saudáveis, ou pobres e enfermos.
A fé salvadora não oscila conforme o número dos que frequentam as igrejas, nem
conforme a aprovação social ou legal da igreja, e nem conforme a presença ou
ausência de celebridades entre os crentes. Nossa fé vem da poderosa e
convincente Palavra de Deus.
Entretanto, esta fé
que não é uma resposta imediata dos sentidos (especialmente da visão), e que
passando do limite da visão (que é mero meio), no campo do pensamento, lógica e
razão produz a fé salvadora, pois sua semente é a própria Palavra de Deus, esta
fé finalmente se manifesta em amor, amor a Deus de todo o coração, de toda a
alma e de todo o entendimento (Mateus 22.36-38). A idolatria é uma afeição dos
sentidos, o amor a Deus é fruto da fé salvadora, que vem pelo ouvir a Palavra
de Deus, que convence o pensamento, lógica e razão, para ocupar todos os
espaços e e dilatar o nosso coração através do amor a Deus.
Os “shows de
milagres”, os espetáculos musicais e teatrais e a imponência das antigas e
modernas catedrais, podem atrair multidões. Contudo, é somente a pura e simples
Palavra de Deus, anunciada pelo mais humilde pecador, que tem o poder de gerar
e nutrir a salvadora fé em Cristo Jesus.
“Não só de pão o
homem viverá, mas de toda palavra que procede da boca de Deus.” (Mateus 4.4)
“... não atentando nós nas coisas que se vêem, mas sim nas que se não
vêem; porque as que se vêem são temporais, enquanto as que se não vêem são
eternas.” (2 Coríntios 4.18)
“Passará o céu e a terra, porém as minhas
palavras não passarão.” (Mateus 24.35)
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